Foram muitos anos maus, muitos anos. Quando nos casamos, ele começou a beber muito. Depois, fiquei grávida do meu primeiro filho, e a situação agravou-se. Ele bebia muito, e quem me ajudava muito era a minha sogra nas lides de casa. Chegava a casa sempre alcoolizado, armava confusão e imensas brigas. Dizia que os nossos filhos não eram dele, que eram filhos de outros, e depois batia-me, insultava-me. Era muito ciumento, não deixava eu falar nem com os irmãos dele por ciúmes, até dos nossos filhos tinha ciúmes. Começou a bater-me muito, e sofri até quatro abortos devido às agressões.
Sempre que saía para trabalhar, ele discutia em casa, batia nos meus filhos, insultava, era horrível. Foram anos com muitas agressões e violência. Era muito complicado, até que um dia disse que isso iria acabar, tinha de acabar. Ele sofreu um acidente de trabalho, teve de ir para o continente fazer tratamentos, e eu ia como acompanhante. Depois, decidi procurar ajuda, porque nunca acalmou, as coisas foram sempre piorando. Desde aí, começou a dormir sozinho, porque já não aguentava. Começou a perseguir-me para saber onde eu andava. Uma vez, seguiu-me até onde eu estava a ter apoio, foi horrível. Nesse dia, chegou a casa e, ao ver que eu não estava, começou a questionar as minhas netas sobre onde estava e agrediu uma delas.
Eu trabalhava sempre e muito enquanto estava casada. Chegava muitas vezes tarde do trabalho e cansada, e lá estava ele à espera, começavam as brigas, com os meus filhos presentes. Já não conseguia suportar mais, principalmente com os meus filhos a assistirem a toda essa violência. Não havia dia nenhum em que eu tivesse paz. Ele muitas vezes metia-nos fora de casa, os meus filhos começaram a revoltar-se contra o pai. Muitas vezes, saíamos durante horas e só íamos para casa quando ele estivesse a dormir, mas muitas vezes ele aguardava à porta o nosso regresso. Foi uma vida de inferno.
Foi sempre um pesadelo que vivi durante a vida que passei com ele. Até que um dia, com o apoio da UMAR, fui para uma casa abrigo com as minhas netas, pois já só tinha as minhas netas ao meu cuidado; os meus filhos já estavam a terminar a sua vida. Apresentei queixa, e fui aconselhada a ir para a casa abrigo, onde fiquei um mês. Depois, ele teve uma medida de afastamento. Nesse dia, fui com as técnicas e a PSP a casa buscar as minhas coisas e fui para a casa abrigo; ele não estava em casa. Quando ele chegou, começou a perguntar aos meus filhos onde eu estava.
Gostei imenso de estar na casa abrigo, foi bom, senti-me leve e bem, mas durou um mês. Quando estávamos com o aparelho eletrónico, este apitava sempre. Foi quando descobrimos que ele estava num quarto de aluguer na mesma rua, e depois ele disse a uma filha minha que sabia onde eu estava.
Enquanto vivi com ele, ameaçava-me muitas vezes de morte, partia portas para me agredir e para bater nos filhos. Cheguei a dormir na sala e fechava a porta com medo das ameaças. Fui mesmo orientada e aconselhada pela psicóloga e técnica da UMAR a ter cuidado. Na maioria das vezes, ele discutia, e eu calava-me para não piorar as brigas, devido aos meus filhos, pois sempre que alguém respondia, ele batia.
Os meus filhos protegem-me muito, eles também sofreram muito. Consegui o divórcio e tive sempre meus filhos do meu lado.
Ele não fazia nada em família, era muito fechado, quando algo o incomodava ele passava-se, começava as brigas e partia para a agressão, foram 42 anos numa vida de violência. A minha sogra batia muito nele, sempre que ele chegava a casa bêbado, ela batia-o. O acidente de trabalho que ele sofreu, não teve direito a nada porque ele estava embriagado.
Divorciamo-nos há 3 anos, no dia do divórcio quando fomos a tribunal, o Juiz perguntou se estávamos de acordo, ambos concordamos, mas depois do divórcio foi dizer aos filhos que eu comprava os meus filhos.
Muitos anos depois, vim a descobrir que ele violou a nossa filha mais velha quando ela tinha 8 anos na altura, os meus filhos esconderam de mim, foi o meu filho mais velho que apanhou o pai a violar a irmã, anos mais tarde, já ela adulta tive uma discussão com ela, e ela disse: olha para o que tens em casa, porque teu marido, meu pai, violou-me. Se não acreditas em mim pergunta a meu irmão. Eu fui perguntar e confirmaram, fomos dar queixa a polícia, mas foi em vão porque já tinha passado muitos anos, ela já era adulta e tinha filhos, quando questionei porque nunca contaram, disseram que queriam proteger.me porque trabalhava muito e foi durante um dia que trabalhava a noite. Meu mundo caiu, fiquei deprimida e revoltada, nem sei…
Mesmo depois do divorcio e eu já nesta atual relação, ele uma vez na rua começou a insultar-me, a gritar comigo na rua, fui à polícia e ele sempre atras de mim, quando estava a chegar a polícia ele diz “experimenta ir ali para baixo, dou-te uma pancada na cabeça e mato-te de vez”, um polícia ouviu e veio na nossa direção, levou-me a apresentar queixa e ele cá fora da esquadra começou a gritar com os policias e a insultar.
Ganhei forças quando estava a trabalhar e, uma vez, desabafei com meu patrão. Ele recomendou procurar ajuda na UMAR, que ficava perto do meu trabalho. Foi após ir todas as semanas à UMAR que ganhei forças e saí. Senti felicidade pela primeira vez na vida; nunca tinha me sentido leve e feliz. Devo muito à UMAR por ajudarem a abrir os olhos e sair dessa relação abusiva e de muita violência. Devo muito ao meu antigo patrão; foi o meu anjo da guarda.
Por isso, digo e repito: por que não desabafar com alguém que pode ajudar? Não temos de sentir vergonha, temos de falar. Não permitir que nos maltratem. Por isso, não tenham vergonha, deem a cara, digam o que estão passando. Somos gente, temos direito. Não tolerem. Sou exemplo disso. Recorram à ajuda. Há pessoas para ajudar. Não devemos favores a ninguém. Não tenham vergonha de pedir ajuda. Vergonha é permitirmos sermos maltratadas e levar pancadas à frente dos filhos. Por isso, chamem a polícia, protejam os vossos filhos. Não permitam que eles levem uma vida de violência. Não perdoem, porque eles não mudam. Vai sempre uma, duas, três e inúmeras vezes que pode acabar em morte. Por isso, lutem e procurem ajuda, deem a cara e ganhem coragem. Ficamos leves quando pedimos ajuda.
Vivi muitos anos com medo. Hoje sei o que é a felicidade, sou feliz. Sei hoje o que é viver em paz. Nenhum homem tem o direito de nos maltratar e mandar numa mulher, o respeito é igual para todos.