Fui casada com ele durante 14 anos. No início, não pensava estar numa relação abusiva. Não havia violência física, era sempre verbal, psicológica e emocional. Não era diretamente, mas indiretamente, e o pior era essa violência indireta que ninguém via. No início, era muito subtil, muito leve, eram piadas aqui, outras ali. Ninguém via, nunca ninguém via.
No início da relação, pensava que era normal, e ele sempre me fez acreditar que eu é que era a doida e que eu estava mal. Cheguei mesmo a acreditar que eu era o problema, que estava doida ou tinha algum problema. Chegava a questionar-me, pois ele fazia muita autossabotagem. Depois, comecei a pensar que não era eu, mas sim ele.
Considero que nunca tive um marido, nunca tive um homem com quem pudesse conversar, desabafar ou pedir conselhos. Ele não participava em nada, não dormia comigo, dormia na sala, e nem na educação dos nossos filhos participava, ficava sempre tudo para mim. Dormia sempre no sofá, apenas quando havia desentendimentos e a situação agravava-se, ele ia para o quarto, de modo a acalmar-me para que eu não saísse, algo que só durava 3 dias. Ou seja, encarnava uma personagem, quando essa personagem terminava, ele voltava à pessoa que era, manipulador e controlador.
No final, já sentia necessidade e gostava que passássemos por uma fase ruim, só para ter aquela pequena migalha boa, aquele pouco de afeto e atenção.
Ele sempre me chamou nomes, não diretamente, mas indiretamente, porque eu sempre gostei de cuidar de mim, de me arranjar, e ele tentava a todo o custo que eu mudasse. Mas não, eu não permiti. Devemos olhar ao espelho e dizer todos os dias que somos bonitas, eu estou bem comigo própria. Não devemos permitir que alguém nos tire isso. E como eu nunca cedi, ele massacrava-me, dizendo que só queria mostrar-me aos outros, que saía assim porque queria mostrar-me a alguém.
Decidi frequentar o ginásio e ele dizia que ia para o ginásio porque era o que as mulheres fáceis faziam, só as putas iam para o ginásio. Algo bom que tenho e sempre tive é que nunca me deixei levar totalmente por ele. No entanto, confesso que no início da relação deixei-me levar por ele e cedia, mas depois disse não. Não iria mudar a minha vida devido à opinião dele, mas no início foi muito complicado, até que me questionava: “Isso não sou eu, mas estou como tola?”
Sempre me insultou, tentou sempre baixar a minha autoestima, manipulava-me imenso. Ele conseguiu mexer muito com o meu psicológico, fiquei com baixa autoestima, fiquei depressiva. Mas um dia decidi lutar pelo que eu era, tive muita força de vontade. Fui vítima de muitos jogos psicológicos, há muita mágoa e dor que não se esquece, mas supera-se. Não tive consciência no início do mal que me fazia, mas no fundo sentia que não era normal.
Desde o início da relação, sempre senti que algo não era normal, porque um homem que não dorme com a mulher não é normal, algo está errado. Uma coisa boa que sempre tive foi o fato de cuidar de mim, embora ele me massacrasse muito. Nunca me deixei levar totalmente por ele, mas havia dias em que ia abaixo. Cheguei a chorar muito, andava em baixo, e ficava com os monstros que saíam da boca dele na minha cabeça.
No início, fomos a um churrasco, ele não ajudava em nada, eu preparava tudo, além dos filhos. Quando chegávamos ao local, bastava esquecer-me de algo, ele culpava-me de incompetência, insultava. Cheguei ao ponto de, antes de sair, confirmar imensas vezes tudo, tinha imenso medo de falar, muito medo de errar para ele, e culpabilizava-me sempre se algo falhasse. Vivi com imenso medo de falhar, errar, até em casa andava com o medo em tudo, até na educação e no cuidado com meus filhos, porque tudo o que corria mal, eu era sempre a culpada por ele. Foi muito difícil, ainda hoje trabalho juntamente com a minha psicóloga.
Devemos ter sempre alguém de confiança para falar e pedir ajuda nessas situações, não ficar sozinhas, devemos sempre pedir ajuda, falar. Tive suporte e apoio de familiares, amigos e dos meus filhos no processo de separação, mas mesmo que não tivesse, não voltava atrás na decisão de sair da relação. Ele nunca me bateu, nem tinha medo de que ele me batesse, mas tinha muito medo das palavras dele, eram muito fortes.
Aguentei 14 anos nessa relação, embora tenha estado 4 anos em banho-maria para me separar, sempre ali com a ideia na cabeça de que ele iria mudar. Pensava sempre “ele vai mudar, vai mudar”, e acredito que grande parte das vítimas não sai por ter esperança de que vai mudar, mas não muda. Nunca vão mudar porque a tendência é piorar, pois eles ganham força com o passar dos anos. Na cabeça deles, se nunca fizemos frente e fomos aguentando, para eles é dar força a continuar acreditando que nunca iremos ter a coragem de os deixar. Pensam que nunca vamos ter coragem de os deixar. Mas tive a coragem. Hoje sei o que é amar-me, porque antes não me amava. Não tinha amor próprio. Hoje sou outra pessoa, tenho amor próprio, estou bem, muito melhor.
Ganhei a força para o deixar quando falei sobre o que vivia com outras pessoas. Foi quando percebi que vivia uma relação violenta, tóxica e não saudável. A consciência de que o mal era ele, não eu, foi se fortalecendo, desconstruindo as manipulações que ele sempre usou. As mulheres devem procurar ajuda, falar sobre o que se passa, ganhar coragem para falar e pedir ajuda, só assim ganhamos a coragem para sair.
Ele fez-me acreditar durante muito tempo que não era uma boa mãe, que eu era doida, que não era capaz, que era feia. Vivi muito tempo com medo de falhar, errar, sempre com ansiedade. Fazia de tudo para não haver nenhum conflito, era automático, meu coração começava a bater antes de ele entrar em casa. A saída foi complicada porque minha ex-sogra também começou a complicar a vida, insultando-me, difamando, enviando mensagens ao meu filho, neto dela, a dizer que eu era a culpada e que andava com outros. Mas consegui, com ajuda e apoio, consegui, batalhei, não me deixei ir abaixo com as ameaças e chantagens que ele fez.
Aconselho a procurarem ajuda, pedir apoio, mesmo sem apoio financeiro. Procurem ajuda, pois existem entidades que dão suporte a vítimas. Se tiverem filhos, peguem nos vossos filhos e deixem essa relação. O nosso amor próprio é muito importante, porque cheguei a pensar em alguns momentos em tirar a minha própria vida, nada paga a nossa paz. Muitas vezes vinham pensamentos maus, escrevia muito no papel porque não conseguia falar com ninguém. Hoje, ao olhar para trás, vejo o quanto ele mexeu com meu psicológico. Pensei em pôr fim à minha vida, cheguei a estudar planos para pôr fim; andava saturada, mas não consegui pelos meus filhos. Foram momentos difíceis.
Partilho a minha história porque acredito que quem esteja a passar por algo assim, ao ver um relato de alguém que passou por violência e superou, pode ser uma motivação para sair e terem a coragem de seguir em frente com suas vidas. Ouvir mulheres que são exemplos de superação, de coragem, pode inspirar outras a terem coragem e pedir ajuda, percebendo que não estão sozinhas e que, se outras conseguiram, elas também conseguem.