Para já, era mais nova. Acho que também, em termos de personalidade, ainda tinha muito para crescer, e a ideia que eu tinha, o que eu idealizei da minha vida era outra. Fui desapontada, para já, porque tinha o sonho de construir família com aquela pessoa, mas ele já ia dando sinais. Lá está, parece que quando se está apaixonada, fica-se cega e não se vê os sinais. Só quando a gente vai partilhando a vida com a pessoa é que vamos conhecendo melhor.
Como eu já tinha tido um ambiente menos bom, menos saudável na minha vida, não idealizava, nem queria criar uma família num ambiente como eu tinha tido quando cresci. Por isso, foi vendo coisas que eram erradas. Quando fui vendo com esse companheiro que ele era uma pessoa agressiva, começou a assustar-me. Mas, lá está, como eu era nova e insuficientemente madura, e como tinha muitos medos, poucos conhecimentos, fiquei ali, deixei-me ficar ali.
A violência primeiro começou verbalmente. Ele tinha o hábito de dizer “vai para o caralho” e eu não gostava disso, acho ofensivo. Quando dizia isso, ele passava-se. Começou depois a ameaçar-me que um dia eu levava uma chapada, e isso começou a assustar-me. Eu considero-me corajosa, mas, no entanto, fiquei presa ali, porque comecei a ver essas coisas e nunca saí. Nunca pensei: “Por que é que estou nessa relação? O que é que isso me traz de positivo?” Na altura não tinha amor próprio, porque quando não temos amor próprio, é que aceitamos que nos tratem mal. Acho que é isso que me faltava, faltava amor próprio. Eu não definia limites, e como não definia limites, parecia que eu era submissa. Isso acaba por dar força à pessoa que nos trata mal, porque ele pensa: “Como ela não faz nada, eu faço o que quero.”
Até que houve a primeira agressão, não foi muito grave, mas acabou por ser uma agressão. Estava na cozinha e, na brincadeira, disse “vai para o c…”. Ele chegou perto de mim, perguntou o que eu disse e deu-me um pontapé no rabo e tocou-me na testa, perguntando se sou tola. Ele não gostou que eu dissesse aquilo, porque não é hábito eu dizer palavrões. Senti-me realmente magoada.
A outra agressão, que para mim foi muito ofensiva, aconteceu quando a minha filha tinha cerca de um mês. Ou seja, a relação em si não era propriamente a melhor, tinha algumas coisas boas, mas também coisas más. Ele sempre foi e é manipulador. O facto de eu ter sido mãe jovem, aos 25 anos, um sonho que eu tinha, pois queria muito ser mãe, mas tinha alguma imaturidade. Quando houve o primeiro episódio na cozinha e ele tocou-me na testa, fiquei a pensar que não seria a melhor ideia termos filhos. Mas depois já foi tarde, descobri que estava grávida. Até quando ele soube que ia ser pai, não ficou muito entusiasmado, mas pronto, fomos pais. Depois, era uma vida um pouco mais complicada porque vivíamos numa casa onde tinha o meu ex-sogro, um primo e a namorada do meu sogro. Éramos todos na mesma casa, e o comportamento dele não ajudava. Ele andava frustrado, e acho que o facto de ele ser pai só piorou a situação.
Quando há amor, há respeito, reciprocidade e amizade. No entanto, quando há insultos, isso tende a repetir-se, e quem bate uma vez, tende a bater duas, três vezes e assim por diante. Eu tive essa experiência; ele bateu-me três vezes. Na segunda vez que me bateu, a minha filha tinha um mês de idade. Pedi-lhe ajuda na hora dos cuidados com a bebé, e ele não ajudou, ficou a jogar. Quando o confrontei, foi como um balde de água fria. Ele veio atrás de mim e deu-me duas chapadas com força, e acabei caída no sofá.
Quando o conheci, ele estava numa depressão, pois tive uma infância muito difícil. A minha mãe saiu de casa, e eu fui viver para casa de outra família. O homem com quem ela estava violou-me, e fiquei sozinha aos 17 anos. A minha infância foi muito difícil, mas mesmo assim, não me tornei violenta. Isso mostra que a nossa essência permanece, apesar das experiências traumáticas.
Acho que quando somos maduros, temos amor-próprio, definimos limites e só assim é que nos respeitam. Faltou-me isso, que é tão importante. Se isso voltasse a acontecer, não permitiria; estava fora de questão. Não aceitava, nem aceito, que me voltem a tratar assim.
Quando ele me agrediu pela segunda vez, não fiz nada. Não fui à polícia, não pedi ajuda. Parecia que estava noutro planeta, sem conhecimento das coisas. Além disso, tinha um problema: estava numa ilha, numa terra que não era a minha. Ou seja, não tinha ninguém para me apoiar; estava sempre com ele, não tinha ninguém.
Depois de tantas más experiências na minha vida, como a minha infância, o caos instalou-se após estar nessa relação. Depois, tive as minhas filhas. A primeira gravidez foi muito triste, mas o melhor foram as minhas filhas. Já estamos separados há 7 anos. No entanto, tudo se agravou, pois além de sermos parte de um relacionamento, também éramos colegas de trabalho. Separámo-nos quando estava grávida de 7 meses da minha segunda filha. Como estava na ilha por pouco tempo, não tinha ninguém. Estava com uma bebé e não tive coragem de o deixar nem de apresentar queixa.
Contudo, chegou um dia em que decidi sair. Tomei coragem e tive de ganhar estratégias. As coisas foram agravando-se, e, para não me bater, ele começava a atirar objetos. Um dia, tão cansada, tomei diazepam porque queria dormir. Não queria fazer mal a mim; apenas precisava de dormir. Acabei no hospital, onde até me julgaram, lembro-me de a psiquiatra duvidar do que eu dizia e do olhar de julgamento. Ele não gostou muito do que eu fiz.
Depois mudamos de casa, e os desacatos continuaram. Até que um dia, eu estava numa situação complicada e cansada do trabalho. Quando cheguei a casa, precisava de desabafar, e ele passou-se, fechando-me na rua. Fui para casa do meu sogro, e foi ele quem tentou acalmá-lo. Mais uma situação que fui deixando passar, e não devia. Depois descobri que estava grávida. Voltei para casa, ele nunca pediu desculpa, as coisas foram andando, e depois desconfiei que ele me traía. Confirmou-se aos 3 meses de gravidez, e ele não ficou contente. As minhas desconfianças confirmaram-se, e um dia confrontei-o com isso. Ele admitiu estar interessado noutra pessoa. Não recordo bem o que se passou a seguir, pois fiquei num turbilhão de emoções. Foi muito difícil, e esse dia foi praticamente o início do fim da nossa relação.
Depois, saí de casa e fui morar com o meu sogro, grávida e com uma filha. Uma outra agressão ocorreu quando fui à nossa casa buscar algumas roupas e vi a outra pessoa morando lá. Ele chegou de repente, começamos a discutir, e ele me agrediu quando fui para o quarto. A outra interveio, ameaçou chamar a polícia, mas não o fiz. Deixei passar novamente, fui uma tola, e ao chegar a casa de meu sogro, ele começou a culpar-me. Comecei a procurar outro lugar para morar e encontrei. Depois, tive a minha filha. Foi difícil, houve muitos desafios, mas consegui superar. Foram momentos difíceis, mas lutei mesmo com dificuldades para encontrar paz e bem-estar. Mesmo hoje, ele tenta prejudicar-me, mas já não permito.
O meu conselho é que peçam ajuda e não se deixem ficar. Por isso, sugiro que procurem ajuda, não deixem o medo comandar. Deixem de ter medo e denunciem, peçam ajuda. A vida é feita de escolhas, e somos nós que devemos decidir o que queremos. Ter coragem, amor-próprio e lutar por nós e pelos nossos filhos. Nós, mulheres, podemos ser mais e melhores. Não nos devemos vitimizar e não devemos aceitar ser maltratadas. Escolham ser felizes. Conto a minha história para dar coragem a outras mulheres.